1 de novembro de 2012
21 de outubro de 2012
17 de outubro de 2012
27 de agosto de 2012
A praga do “pensamento único”
Da Carta Capital
http://www.cartacapital.com.br/politica/a-praga-do-pensamento-unico/
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22 de agosto de 2012
21 de agosto de 2012
9 de julho de 2012
A revolução de 1924
A primeira data marca uma violenta reação ao poder do atraso, tendo por base setores médios e populares. E a segunda representa a exaltação do atraso, capitaneada pela elite regional.
Dia 5 de julho, há 88 anos, uma intrincada teia de tensões históricas desaguou no episódio que ficaria conhecido como Revolução de 1924. Suas raízes estão no agravamento de problemas sociais, no autoritarismo dos governos da República Velha e em descontentamentos nos meios militares, que já haviam gerado o movimento tenentista, dois anos antes.
Naquele duro inverno, em meio a uma crise econômica, eclodiu uma nova sublevação. Tropas do Exército e da Força Pública tomaram quartéis, estações de trem e edifícios públicos e expulsaram da cidade o governador Carlos de Campos. No comando, em sua maioria, camadas da média oficialidade. Quatro dias depois, era instalado um governo provisório, que se manteria até 27 de julho. O país vivia sob o estado de sítio do governo Arthur Bernardes (1922-1926).
Entre as reivindicações dos revoltosos estavam: “1º Voto secreto; 2º Justiça gratuita e reforma radical no sistema de nomeação e recrutamento dos magistrados (...) e 3º Reforma não nos programas, mas nos métodos de instrução pública”. No plano político, destaca-se ainda “A proibição de reeleição do Presidente da República (...) e dos governadores dos estados”.
Várias guarnições de cidades próximas aderiram ao movimento. Apesar da falta de um programa claro, setores do operariado organizado apoiaram os revolucionários e exortaram a população a auxiliá-los no que fosse possível.
Bombas, tiros e mortes
As ruas da capital foram palco de intensos combates, com direito a fuzilaria, granadas e tiros de morteiros. Cerca de trezentas trincheiras e barricadas foram abertas em diversos bairros.
A partir do dia 11, o governador deposto, instalado nas colinas da Penha, seguindo determinações do presidente da República, decidiu lançar uma carga de canhões em direção ao centro. O objetivo era aterrorizar a população e forçá-la a se insurgir contra os rebelados.
De forma intermitente, os bairros operários da Mooca, Ipiranga, Belenzinho, Brás e Centro sofreram bombardeio por vários dias. Casas modestas e fábricas foram reduzidas a escombros e cadáveres multiplicavam-se pelas ruas.
Sem conseguir dobrar a resistência, o governo federal decidiu bombardear a cidade com aviões de combate.
O fim da rebelião
Três semanas depois de iniciada, a rebelião foi acuada. Dos 700 mil habitantes da cidade, cerca de 200 mil fugiram para o interior, acotovelando-se nos trens que saiam da estação da Luz. O saldo dos 23 dias de revolta foi 503 mortos e 4.846 feridos. O número de desabrigados passou de vinte mil. No final da noite do dia 28, cerca de 3,5 mil insurgentes retiraram-se da cidade com pesado armamento em três composições ferroviárias. O destino imediato era Bauru, no centro do estado.
Deixaram um manifesto, agradecendo o apoio da população: “No desejo de poupar São Paulo de uma destruição desoladora, grosseira e infame, vamos mudar a nossa frente de trabalho e a sede governamental. (...) Deus vos pague o conforto e o ânimo que nos transmitistes”.
As tensões não cessariam. No ano seguinte, parte dos revolucionários engrossaria a Coluna Prestes (1925-1927). Mais tarde, outros tantos protagonizariam – e venceriam - a Revolução de 30.
Promovida pelas camadas médias do meio militar, o levante ganhou apoio de parcelas pobres da população. Talvez por isso seja chamada de “a revolução esquecida”.
A revolução que não foi
A segunda data, 9 de julho, é marcada pelo estopim de uma revolução que não faz jus ao nome. É exaltada e cultuada como uma manifestação de defesa intransigente da democracia, ela faz parte da criação de certa mitologia gloriosa para São Paulo.
O evento, em realidade, representa a sublevação da oligarquia cafeeira contra a Revolução de 30, que a retirou do governo e se constituiu no marco definidor do Brasil moderno.
Aquele processo não pode ser visto apenas como uma tomada de poder por um punhado de descontentes. Suas causas envolvem as contrariedades nos meios militares e tensões do próprio desenvolvimento do país. A crise de 1929 acabara de chegar, colocando em xeque o liberalismo reinante.
A Revolução consolidou a expansão das relações capitalistas, que trouxe em seu bojo a integração ao mercado – via Estado – de largos contingentes da população. O mecanismo utilizado foi a formalização do trabalho.
As novas relações sociais e a intervenção do Estado na economia – decisiva para a superação da crise e para o avanço da industrialização - implicaram uma reconfiguração e uma modernização institucional do país. A conseqüência imediata foi a perda da hegemonia da economia cafeeira, centrada principalmente em São Paulo e parte de Minas Gerais. Percebendo as mudanças no horizonte, as classes dominantes locais foram à luta em 1932.
A locomotiva e os vagões
Explodiu então a rebelião armada das forças insepultas da República Velha e da elite paulista, querendo recuperar seu domínio sobre o país.
Tendo na linha de frente a Associação Comercial e a Federação das Indústrias (FIESP), o levante tinha entre seus líderes sobrenomes importantes do Estado, como Simonsen, Mesquita, Silva Prado, Pacheco e Chaves, Alves de Lima e outros. O movimento contou com expressivo apoio popular, uma vez que os meios de comunicação (rádio, jornais e revistas) reverberaram as demandas das classes altas.
A campanha que precedeu a sublevação exacerbou uma espécie de nacionalismo paulista, incentivado por grupos separatistas. Entre esses, notabilizava-se o escritor Monteiro Lobato. A síntese da aversão local ao restante do país expressava-se na difundida frase, que classificava o estado como “a locomotiva que puxa 21 vagões vazios”, em referência às demais unidades da federação.
Contradição em termos
O objetivo do movimento, derrotado militarmente em 4 de outubro, era derrubar o governo provisório de Getulio Vargas e aprovar uma nova Constituição. Daí a criação do nome “revolução constitucionalista”, uma contradição em termos. Revolução é uma ação decidida a destruir uma ordem estabelecida. A expressão “constitucionalista” expressava uma tentativa recuperação do status quo, regido pela Carta de 1891. Se é “constitucionalista”, não poderia ser “revolução”.
Os sempre proclamados “ideais de 1932” são vagas referências à constitucionalidade e à democracia. Mas não existia, por parte da elite, nenhuma formulação que fosse muito além da recuperação da hegemonia paulista (leia-se, dos cafeicultores).
Exatos oitenta anos depois, o 9 de julho segue comemorado como a data magna do estado, uma espécie de 7 de setembro local. E os acontecimentos de 5 de julho de 1924 continuam como páginas obscuras de um passado distante.
A elite paulista voltaria ao poder em 1994, pelas mãos de Fernando Henrique Cardoso e do PSDB. Seu mote foi dado no discurso de despedida do senado, em 1994: “Um pedaço do nosso passado político ainda atravanca o presente e retarda o avanço da sociedade. Refiro-me ao legado da Era Vargas, ao seu modelo de desenvolvimento autárquico e ao seu Estado intervencionista”.
Os objetivos desse setor continuaram os mesmos, décadas depois: realizar a contra-Revolução de 30.
As tensões entre as datas – 5 e 9 de julho – expressam duas vias colocadas até hoje nos embates políticos paulistas: a saída conservadora e a saída antielitista.
29 de junho de 2012
Sem tergiversar
Foi golpe o que ocorreu no Paraguai, diz alto representante do Mercosul
da Folha:
Foi golpe o que ocorreu no Paraguai. As classes tradicionais hegemônicas promovem um neogolpismo na América do Sul e a democracia está em risco na região. Fernando Lugo caiu porque queria fazer uma reforma agrária que contrariava interesses.
25 de junho de 2012
18 de junho de 2012
1 de maio de 2012
15 de abril de 2012
AGRONEGÓCIOS: O NOVO VELHO DESENVOLVIMENTISMO
O NOVO VELHO DESENVOLVIMENTISMO
Sim, há setores da indústria brasileira devagar quase parando, fato que faz o governo quebrar a cabeça e espalhar miolos para melhorar essa situação. Agora mesmo, prometeu raspar vários tachos e destinar R$ 60,4 bilhões para incentivar a atividade fabril. A partir dos anos 1990, o Brasil escolheu percorrer o caminho menos conveniente da globalização e entrou na lorota neoliberalizante dos países ricos. Quebrou algumas vezes.
Quem esteve ativo economicamente no período há de se lembrar. Empreendedor ou empregado, afiada espada ameaçava decapitar-nos. Aos muitos não empregados isso assustava menos. Não mais tinham cabeça. O Estado deveria ser mínimo, não participar da produção e induzir pouco para não gastar. O mesmo que hoje se quer dos gregos.
Se você duvida, esqueceu ou na época não agregava valor ao PIB, feliz coincidência poderá informá-lo. Chame o gênio da lâmpada e pergunte: “Cadê Tereza, onde anda minha Tereza?”. Logo surgirá Jorge Ben Jor e anunciará: Washington. A economista Teresa Ter-Minassian, chefe da missão do FMI, que na década de 1990 negociou pacotes de socorro ao Brasil, há alguns dias palpitou sobre nossa política econômica.
Cética, disse não acreditar em nada do que acontece aqui. Das estatísticas fiscais à capacidade de zerarmos o déficit nominal até 2014. Se não opinou sobre o ritmo das obras da Copa, foi para aliviar a dor que sentiríamos no traseiro. Apesar de Teresa e não Carolina, o tempo passou na janela e só a economista não viu.
Tivéssemos agido mais cedo para ampliar o mercado interno de massa, movendo-o a crédito, ganho real de salários e programas sociais; acelerado obras públicas de infraestrutura; expandido a produção privada com recursos subsidiados pelo BNDES; impedido o pau-de-sebo dos juros que inundou o mercado com capital especulativo; e não mantido o câmbio irreal para controlar a inflação, então, pastas, planilhas e tailleurs de Dona Teresa não teriam vulnerado tanto nossas economia e indústria. Faltou Estado.
Todos os processos econômicos do passado que resultaram em hegemonia de países ou blocos tiveram por trás o suporte de Estados nacionais. Entre os mais recentes, a Inglaterra na segunda metade do século XIX e, no século seguinte, os Estados Unidos e alguns países da Europa Ocidental. Agora, a China.
Uma luta que estamos perdendo há cerca de trinta anos. Inovação tecnológica, prioridade a elementos logísticos competitivos, aumento de capacidades fabris, qualificação de mão de obra, foram itens subalternos à financeirização do sistema econômico.
A queda na participação da indústria em contraposição ao crescimento do setor de serviços aponta claramente para o equívoco da escolha. Entre 2008 e 2011, o saldo da balança comercial da indústria de transformação saiu do equilíbrio (o que já não era um bom desempenho) para um déficit de quase 50 bilhões de dólares.
Restam, enfim, as agropecuária e mineração, mas essas são acusadas de vocação passadista e de não agregarem valor. Perguntam: até quando o País continuará exportando bens primários e importando tecnologia e industrialização alheias?
Simples: até quando esse for o mais valioso e competitivo fator brasileiro de produção com demanda no planeta. É preciso entender que a agropecuária agrega valor, sim. Pelos incrementos de produtividade – maior produção em igual ou menor área de terra – e da cadeia do agronegócio.
O jeito é agarrar essa âncora e esperar o Estado reverter 30 anos de pasmaceira tecnológica e industrial. Ainda é possível pés brasileiros alcançarem o estribo do bonde que levará os principais países emergentes a dividirem com alguns ricos a hegemonia no futuro.
13 de abril de 2012
A guerra pornô, por Pepe Escobar
Guerra pornô: O novo sexo seguro
por Pepe Escobar
Tradução Luiz Carlos Azenha
O início do século 21 é viciado em guerra pornô, um nobre esporte consumido por ‘batatas’ globais, digitais e de sofá [o autor se refere aos couch potatoes, os espectadores passivos do mundo]. A guerra pornô assumiu o palco na noite de 11 de setembro de 2001, quando o governo de George W. Bush lançou a “Guerra ao Terror”– que foi interpretada por muitos dos seus praticantes como uma forma sutil de legitimação do terror de estado dos Estados Unidos predominantemente contra muçulmanos.
p>Era também a guerra DE terror — como manifestação de terror de estado, em que o poder high tech, urbano, basicamente enfrentou a astúcia rural. Os Estados Unidos não tinham o monopólio disso; Beijing praticou esta guerra na província [muçulmana] de Xinjiang e a Rússia praticou na Chechênia.
Como a pornografia, a guerra pornô não pode existir sem se basear em uma mentira — numa representação grosseira. Mas, diferentemente da pornografia, a guerra pornô é pra valer; em vez de figurantes em filmes grosseiros e baratos, na guerra pornô as pessoas morrem de verdade — e aos montões.
A mentira para acabar com todas as mentiras no centro desta representação foi definitivamente estabelecida com o vazamento de um memorando de 2005 da Downing Street [a sede do governo britânico], no qual o chefe do serviço secreto M16 confirmou que o governo Bush queria derrubar Saddam Hussein ligando o terrorismo islâmico a armas (inexistentes) de destruição em massa. Assim, como estava no memorando, “as informações de inteligência e os fatos estão sendo ajustados em torno da política”.
No fim, George “ou conosco ou contra nós” Bush estrelou em seu próprio super-pornô — que foi tanto a invasão quanto a destruição do flanco leste da nação árabe.
A nova Guernica
O Iraque pode ser visto como o Guerra das Estrelas das guerras pornô — uma apoteose de sequências. Considerem a segunda ofensiva contra Fallujah no final de 2004. Na época eu descrevi como a nova Guernica. Também tomei a liberdade de parafrasear Jean-Paul Sartre, que escreveu sobre a guerra [do colonialismo francês] na Argélia; depois de Fallujah nunca mais dois norte-americanos poderiam se encontrar sem um cadáver entre eles. Para citar o Apocalypse Now, do Coppola, havia corpos, corpos por todo lado.
O Francisco Franco de Fallujah foi Iyad Allawi, o premier instalado no Iraque pelos Estados Unidos. Foi Allawi quem “pediu” ao Pentágono para bombardear Fallujah. Em Guernica — assim como em Fallujah — não houve distinção entre civis e guerrilheiros: valeu a lei do “Viva la muerte!”.
Comandantes dos fuzileiros navais dos Estados Unidos disseram abertamente que Fallujah era a casa do Satã. Franco negou o massacre de Guernica e culpou a população local — assim como Allawi e o Pentágono negaram qualquer morte de civis e insistiram que os “insurgentes” eram culpados.
Fallujah foi reduzida a escombros, pelo menos 200 mil residentes se tornaram refugiados e milhares de civis foram mortos, para “salvá-la” (ecos do Vietnã). Ninguém na mídia corporativa ocidental teve colhões para dizer que, de fato, Fallujah foi a Halabja norte-americana.
Quinze anos antes de Fallujah, em Halabja, Washington foi a muito entusiasmada fornecedora das armas químicas para Saddam, que as usou para matar milhares de curdos. Na época a Central de Inteligência Americana (CIA) disse que não foi Saddam, mas o Irã de Khomeini. Ainda assim, foi Saddam e foi deliberado, assim como os Estados Unidos fizeram em Fallujah.
Médicos em Fallujah identificaram corpos inchados e amarelados sem ferimentos, assim como “corpos dissolvidos”– vítimas do napalm, o coquetel de poliestireno e combustível de jato. Os moradores que conseguiram escapar denunciaram bombardeios com “gases venenosos” e “bombas estranhas que soltavam fumaça como se fosse um cogumelo… depois disso pequenos projéteis voavam deixando para trás longas colunas de fumaça. Os pedaços daquelas estranhas bombas explodiam em chamas que queimavam a pele ainda que se atirasse água sobre ela”.
É exatamente o que acontece com pessoas bombardeadas por napalm ou fósforo branco. As Nações Unidas baniram o bombardeio de civis com napalm em 1980. Os Estados Unidos são o único país do mundo que ainda usam napalm.
Fallujah também resultou num mini hit pornô; a execução sumária de um homem iraquiano ferido, sem defesa, dentro de uma mesquita, por um fuzileiro naval dos Estados Unidos. A execução, capturada em vídeo e vista por milhões no You Tube, soletrou de forma clara as regras “especiais” de engajamento. Os comandantes dos fuzileiros navais, na época, diziam a seus subordinados para “atirar em tudo o que se move e em tudo o que não se move”; para dar “dois tiros em cada corpo”; no caso de ver homens em idade de serviço militar nas ruas de Fallujah, para “derrubá-los”; e para metralhar e usar tanques contra todas as casas antes de adentrá-las.
As regras de engajamento no Iraque foram codificadas em um manual de campo de 182 páginas distribuído para cada soldado, pelo Pentágono, em outubro de 2004. Este manual de contra-insurgência enfatizava cinco regras; “proteger a população; estabelecer instituições políticas locais; reforçar o governo local; eliminar a capacidade dos insurgentes; e explorar informação obtida de fontes locais”.
Agora, de volta à realidade. A população de Fallujah não foi protegida: foi bombardeada para fora da cidade e transformada em massa de milhares de refugiados. As instituições políticas já estavam lá: a shura [espécie de conselho] de Fallujah governava a cidade. Nenhum governo local é capaz de comandar um monte de escombros com uma população em fuga, o que dizer de “reforçar o governo”. As “capacidades dos insurgentes” não foram eliminadas; a resistência se dispersou em 22 outras cidades que estavam fora do controle da ocupação dos Estados Unidos e se espalhou na direção de Mosul, ao norte; e os norte-americanos continuaram sem informações de “fontes locais”, já que antagonizaram todos os corações e mentes.
Enquanto isso, nos Estados Unidos, a maioria da população já tinha sido imunizada contra a guerra pornô. Quando surgiu o escândalo de Abu Ghraib, na primavera de 2004, eu dirigia em rodovias do Texas, visitando a Bushland. Praticamente todas as pessoas com as quais conversei a respeito atribuiram a humilhação dos prisioneiros iraquianos a “algumas maçãs podres”, ou defenderam o que aconteceu em básicas patrióticas (“precisamos dar lição em ‘terroristas’”).
Amo um homem uniformizado
Em tese, existe um mecanismo aprovado no século 21 para defender civis da guerra pornô. É o R2P — a doutrina da “responsabilidade de proteger”. É uma ideia que existe desde 2001 — na verdade, desde algumas semanas depois da guerra contra o terror ter sido declarada –, formulada pelo governo do Canadá e algumas fundações. A ideia era de que o concerto das nações tinha o “dever moral” de intervenção humanitária em casos como o de Halabja, para não mencionar o Khmer Rouge no Camboja, na metade dos anos 70, ou o genocídio em Ruanda, na metade dos anos 90.
Em 2004, uma comissão da ONU codificou a ideia — crucialmente autorizando o Conselho de Segurança a decretar “intervenção militar” apenas “como último recurso”. Então, em 2005, a Assembleia Geral das Nações Unidas endossou a resolução de apoio ao R2P e em 2006 o Conselho de Segurança passou a resolução 1674 sobre “proteção de civis em conflitos armados”; eles deveriam ser protegidos contra “genocídio, crimes de guerra, limpeza étnica e crimes contra a humanidade”.
Agora pulemos para o fim de 2008, início de 2009, quando Israel — usando jatos norte-americanos — detonou um ataque em grande escala contra a população civil da faixa de Gaza.
Olhem a reação oficial dos Estados Unidos; “Israel obviamente decidiu se proteger e ao seu povo”, disse o então presidente Bush. O Congresso dos Estados Unidos votou por 390 a 5 para reconhecer “o direito de Israel de se defender dos ataques que partem de Gaza”. O governo de Barack Obama, que estava a caminho de assumir, ficou silencioso. Apenas a futura secretária de Estado, Hillary Clinton, disse que “apoiamos o direito de defesa de Israel”.
Pelo menos 1.300 civis — inclusive mulheres e crianças — foram mortas pelo terror de estado em Gaza. Ninguém invocou a R2P. Ninguém apontou para o fracasso de Israel em sua “responsabilidade de proteger” os palestinos. Ninguém pediu uma “intervenção humanitária” tendo como alvo Israel.
A mera noção de uma superpotência — e outros poderes menores — tomar decisões de política externa baseda em questões humanitárias, como proteger pessoas sob cerco, é uma piada. Já naquela época deu para entender como a R2P seria instrumentalizada. Não se aplicava aos Estados Unidos no Iraque ou no Afeganistão. Não se aplicava a Israel na Palestina. Seria eventualmente aplicável somente a governantes “bandidos”, que não fossem “nossos bastardos” — como Muamar Gaddafi, na Líbia, em 2011. Intervenção “humanitária”, sim; mas apenas para se livrar dos “bandidos”.
E a beleza da R2P é que ela pode ser colocada de cabeça pra baixo a qualquer momento. Bush pediu a “libertação” das mulheres afegãs — especialmente das que vestiam burca — dos “diabólicos” Talibã, de fato configurando a invasão do Afeganistão como uma intervenção humanitária.
E quando as ligações falsificadas de Saddam com a al-Qaeda e com armas de destruição em massa, inexistentes, ficaram claras, Washington passou a justificar a invasão, ocupação e destruição do Iraque via… R2P; “responsabilidade de proteger” os iraquianos de Saddam e em seguida de proteger os iraquianos deles próprios.
O matador acordou antes do sol nascer
O mais recente capítulo da série de episódios da guerra pornô foi o massacre de Kandahar quando, de acordo com a versão oficial do Pentágono (ou complô para esconder), um sargento do exército norte-americano, atirador de elite e veterano da guerra no Iraque — um assassino altamente treinado — atirou em 17 civis afegãos, inclusive em nove mulheres e quatro crianças, em dois vilarejos distantes três quilômetros um do outro, e queimou alguns dos corpos.
Como em Abu Ghraib, houve a usual onda de negativas do Pentágono — como “isso não somos nós” ou “não agimos desta forma”; sem mencionar o tsunami de reportagens da mídia corporativa dos Estados Unidos que humanizaram o herói-tornado-assassino-em-massa, como em “ele é um cara bacana, de família”. Em contraste, nem uma única palavra sobre o Outro — as vítimas afegãs. As vítimas não têm rosto; ninguém sabe o nome delas.
Uma investigação afegã séria estabeleceu que 20 soldados podem ter tido participação no massacre — como em My Lai, no Vietnã; e que incluiu o estupro de duas das mulheres. Faz sentido. A guerra pornô é uma subcultura de grupo letal — completa com assassinatos-alvo, vingança, dessecração de cadáveres, colheita de troféus (dedos e orelhas cortados), incêndio do Corão e urinar em corpos. É, essencialmente, um esporte coletivo.
Equipes de execução dos Estados Unidos deliberadamente mataram civis afegãos, a maioria adolescentes, como esporte, plantaram bombas em seus corpos e depois posaram com os cadáveres como se fossem troféus. Não foi acidente que algumas destas equipes operavam a partir de uma base perto da área do massacre de Kandahar.
E não deveríamos nos esquecer do ex-comandante dos Estados Unidos no Afeganistão, general Stanley McChrystal, que em 10 de abril de 2010 admitiu, francamente, “atiramos num número impressionante de pessoas” que não eram ameaça aos Estados Unidos ou à civilização ocidental.
O Pentágono vende a guerra do Afeganistão como vendeu a do Iraque (e mesmo, lá atrás, a do Vietnã); a ideia de que esta é uma contrainsurgência com foco na população — ou COIN — destinada a conquistar “corações e mentes” e parte de um grande esforço para construir uma nação.
É uma mentira monumental. O reforço de tropas de Obama no Afeganistão — baseado na COIN — foi um fracasso total. O que veio depois foi guerra clandestina, obscura, liderada por “equipes de matança” das Forças Especiais. Isso implica em uma inflação de ataques aéreos e noturnos. Sem mencionar a guerra de aviões não-tripulados, tanto no Afeganistão quanto nas áreas tribais do Paquistão, cujo alvo favorito são os casamentos da etnia Pashtun.
Incidentalmente, a CIA alega que desde maio de 2010, aviões não-tripulados superinteligentes mataram mais de 600 alvos humanos “cuidadosamente selecionados” — e, miraculosamente, nenhum civil.
Espere para ver este filme pornô de guerra celebrado numa orgia de produções conjuntas do Pentágono com Hollywood. Na vida real, isso é promovido por gente como John Nagl, que era da equipe do general David Petraeus no Iraque e que agora dirige o instituto pró-Pentágono Center for New American Security.
O novo macho estelar pode ser representado pelos soldados do Comando Conjunto de Operações Especiais (JSOC). Mas esta é uma produção do Pentágono, que criou, de acordo com Nagl, “uma máquina contraterrorista de matar em escala industrial”.
A realidade, no entanto, é muito mais prosaica. As técnicas da COIN, aplicadas por McChrystal, se sustentam em apenas três componentes; vigilância 24 horas baseada em aviões não-tripulados; monitoramento da telefonia celular; localização física dos telefones a partir dos sinais emitidos por eles.
Isso significa que qualquer pessoa na área sob o avião não-tripulado que estiver usando um celular pode ser definida como “terrorista” ou pelo menos como “simpatizante do terrorismo”. E então o foco dos ataques noturnos no Afeganistão passou de “alvos de alto valor” — integrantes de alto ou médio escalão da al-Qaeda e do Talibã — para qualquer pessoa acusada de ajudar o Talibã.
Em maio de 2009, antes da chegada de McChrystal, as Forças Especiais dos Estados Unidos faziam 20 ataques por mês. Em novembro, eram 90 por mês. Na primavera de 2010, eram 250 por mês. Quando McChrystal foi demitido — por causa de uma reportagem da [revista] Rolling Stone (ele estava competindo com a Lady Gaga pela capa; a Lady Gaga venceu) — e Obama o trocou por Petraeus, no verão de 2010, já eram 600 ataques por mês. Em abril de 2011 já eram mil ataques por mês.
É assim que funciona. Nem pense em usar um telefone celular em Kandahar ou outros províncias afegãs. Caso contrário, os “olhos no céu” vão te pegar. Você no mínimo será mandado para a cadeia, junto com milhares de outros civis taxados de “simpatizantes do terrorismo”; e analistas de inteligência vão usar suas informações para compilar novas listas de “matar/capturar” na rede para caçar civis.
Quanto aos “danos colaterais” civis dos ataques noturnos, eles sempre foram apresentados pelo Pentágono como “terroristas”. Exemplo; num ataque em Gardez em 12 de fevereiro de 2010, dois homens foram mortos; um promotor de justiça de um governo local e um oficial de inteligência afegão, assim como três mulheres (duas delas grávidas). Os matadores disseram ao comando conjunto Estados Unidos-OTAN em Cabul que os dois homens eram “terroristas” e que as mulheres foram encontradas amarradas e amordaçadas. E então o homem que era o alvo do ataque se apresentou dias depois para interrogatório e foi libertado sem sofrer qualquer acusação.
É apenas o começo. Assassinatos-alvo — como praticados no Afeganistão — serão a tática do Pentágono em todas as futuras guerras dos Estados Unidos.
Passe a camisinha, querida
A Líbia foi uma grande exibição da guerra pornô — completa com um toque romano de um chefe “bárbaro” derrotado, sodomizado e executado nas ruas, diretamente para o YouTube.
Isso, por sinal, é exatamente o que a secretária de Estado Hillary Clinton, numa visita-relâmpago a Trípoli, tinha anunciado 48 horas antes do fato. Gaddafi deveria ser “capturado ou morto”. Quando ela viu a imagem na tela de seu BlackBerry ela só conseguiu reagir com o terremoto semântico de um “Uau!”.
No minuto em que a resolução da ONU impôs uma zona de exclusão aérea na Líbia usando como cobertura a R2P, foi a luz verde para a troca de regime. O plano A sempre foi capturar e matar Gaddafi — no estilo de um assassinato-alvo afegão. Esta era a política oficial do governo Obama. Não havia plano B.
Obama disse que a morte de Gaddafi significou “a força da liderança norte-americana em todo o mundo”. Foi tão próximo de um “pegamos” (ecos da captura de Saddam pelo governo Bush) quanto se poderia esperar.
Com um bônus extra. Embora Washington tenha pago nada menos que 80% dos custos operacionais dos retardados da OTAN (grosseiramente, 2 bilhões de dólares), foi troco. Ainda assim, é estranho que tenham dito “fizemos”, já que a Casa Branca sempre disse que não era uma guerra; que era alguma coisa “cinética”. E que não tinha controle de nada.
Só os perdidamente ingênuos engoliram a propaganda dos 40 mil ataques aéreos “humanitários” da OTAN, que devastaram a infraestrutura da Líbia de volta à idade da pedra, como um Choque e Espanto em câmera lenta. Isso nada teve a ver com R2P.
Foi tão R2P quanto sexo seguro — com a “comunidade internacional” no papel de camisinha. A “comunidade internacional”, como todos sabem, é composta por Washington, alguns poucos membros da OTAN e os poderes democráticos do Golfo Pérsico, como Qatar e Emirados Árabes Unidos, mais a Casa de Saud nas sombras. A União Europeia, que até a prorrogação fazia a barra das saias de Gaddafi, rapidamente tropeçou em editorais que denunciavam o reino de 42 anos do “bufão”.
Quanto ao conceito de lei internacional, foi jogada na tubulação, tão suja quanto aquela em que Gaddafi foi encontrado. Saddam pelo menos teve um julgamento encenado num tribunal improvisado antes de enfrentar o carrasco (ele também acabou no YouTube). Osama bin Laden foi simplesmente apagado, em estilo-assassinato, depois da invasão territorial do Paquistão (sem YouTube, por isso muitos nem acreditam). O Gaddafi foi embora numa mistura de guerra aérea com assassinato. Eles são os Três Graciosos Escalpos da Guerra Pornô.
Doce emoção
A Síria é apenas mais uma narrativa da guerra pornô. Se você não pode R2P, simule.
E pensar que tudo isso foi codificado tanto tempo atrás. Já em 1997, a revista do Colégio de Guerra do Exército dos Estados Unidos definiu o que chamou de “futuro das guerras”. Foi descrito como “o conflito entre os mestres da informação e as vítimas da informação”.
Eles estavam certo de que “já somos mestres na guerra de informações… Hollywood está ‘preparando o campo de batalha’… A informação destrói empregos tradicionais e culturas tradicionais; seduz, trai e se mantém invulnerável… Nossa sofisticação no manejo da informação nos capacita a sobreviver e sobrepujar todas as culturas hierárquicas… Sociedades que temem ou que não conseguem gerenciar o fluxo de informação simplesmente não serão competitivas. Elas podem dominar a tecnologia para ver os vídeos, mas nós vamos escrever os roteiros, produzí-los e coletar os direitos autorais. Nossa criatividade é devastadora”.
Guerra de informação pós-tudo não tem relação com geopolítica. Como o proverbial produto de Hollywood, deve ser gerada a partir de emoções brutas; “ódio, inveja e cobiça — emoções em lugar de estratégias”.
Na Síria é exatamente como a mídia corporativa ocidental já escreveu o script de todo o filme; são as táticas da guerra de informação do Colégio de Guerra, na prática. O governo sírio nunca teve qualquer chance diante dos que “escrevem os roteiros, produzem e coletam os direitos autorais”.
Por exemplo, a oposição armada, os assim-chamados integrantes do Exército Livre Sírio (um coquetel impressionante de desertores, oportunistas, jihadistas e mercenários estrangeiros), levaram jornalistas ocidentais até Homs e depois insistiram em tirá-los de lá, em condições extremamente perigosas — com gente sendo morta — via Líbano, em vez de usar a ajuda da Crescente Vermelha. Era apenas a forma de escrever/impor um “corredor humanitário” até Homs. Foi teatro puro — ou guerra pornô empacotada como drama de Hollywood.
O problema é que a opinião pública ocidental agora é refém desta marca de guerra de informação. Esqueça a possibilidade de negociações pacíficas entre partes adultas. O que sobra é o roteiro binário de bons contra maus, onde o Grande Homem Mau deve ser destruído a qualquer custo (e junto com ele a esposa, puta esnobe que adora consumir!).
Só os terminalmente ingênuos para acreditar que os jihadistas — inclusive os rebeldes da OTAN na Líbia — financiados pelo Clube da Contrarrevolução do Golfo Pérsico, também conhecido como Conselho de Cooperação do Golfo (GCC) são um monte de reformistas democráticos queimando em boas intenções. Mesmo a Human Rigths Watch foi forçada a admitir que estes “ativistas” armados foram responsáveis por “sequestros, detenções e tortura”, depois de receber informações sobre execuções cometidas por grupos de oposição contra civis e soldados leais ao governo sírio.
O que esta narrativa pornô (leve e pesada) esconde, no fim, é a verdadeira tragédia síria; a impossibilidade do festejado “povo sírio” de se livrar de todos estes bandidos — o sistema Assad, a Irmandade Muçulmana controlada pelo Conselho Nacional Sírio, e o Exército Livre Sírio infestado de mercenários.
Ouçam o som do caos
Este parcial catálogo de vilezas invevitavelmente nos traz até o campeão de bilheteria da guerra pornô — o psicodrama do Irã.
2012 é o novo 2002; Irã é o novo Iraque; e qualquer que seja a estrada, para usar o novo lema neocon, homens de verdade vão a Teerã via Damasco, ou diretamente a Teerã, sem escalas.
Talvez apenas sob o Ártico seríamos capazes de escapar do cortejo cacófono de direitistas norte-americanos — e seus cães amestrados europeus — que salivam sangue e distribuem seu festival de falácias como “o Irã quer eliminar Israel do mapa”, “já deu de diplomacia”, “as sanções já deram o que tinham de dar”, ou “o Irã dentro de um ano, de seis meses, de uma semana, de um dia ou de um minuto vai montar sua bomba”.
Naturalmente estes cães de guerra nunca se importariam em acompanhar o que a Agência Internacional de Energia Atômica está fazendo, sem mencionar a Estimativa Nacional de Inteligência divulgada pelas 17 agências de inteligência dos Estados Unidos.
Porque, em grande medida, eles estão “escrevendo os roteiros, produzindo e coletando os direitos autorais” nos termos da mídia corporativa, eles podem sair ilesos de uma impressionante e tóxica fusão de arrogância e ignorância — sobre o Oriente Médio, a cultura persa, a questão nuclear, a indústria petrolífera, a economia global, sobre “o Resto” comparado com “o Ocidente”.
Assim como no Iraque em 2002, o Irã é sempre desumanizado. A “narrativa” insistente, totalmente histérica e fomentadora do medo, de “devemos bombardear agora ou depois”, é sempre sobre as tão inteligentes bombas destruidoras de bunkers e mísseis precisos, que vão inflingir devastação superlimpa em grande escala sem produzir um só “dano colateral”. Como sexo seguro.
E mesmo quando uma voz do establishment como o New York Times admite que nem a inteligência dos Estados Unidos, nem a de Israel acredita que o Irã decidiu construir uma bomba (uma criança de 5 anos poderia chegar à mesma conclusão), a histeria continua intergalática.
Enquanto isso, enquanto se prepara — “todas as opções estão na mesa”, Obama não cansa de repetir — para outra guerra no que já chamou de “arco de instabilidade”, o Pentágono encontrou tempo para reempacotar a guerra pornô. Levou apenas 60 segundos, num vídeo que agora está no YouTube, chamado Em Direção ao Som do Caos (Toward the Sound of Chaos), divulgado dias depois do massacre de Kandahar. Note qual é o público-alvo: o grande mercado dos pobres, desempregados e politicamente ingênuos jovens norte-americanos.
Ouçam o que diz a voz no mini-filme: “Onde o caos ameaça, os Poucos emergem. Fuzileiros navais se movem em direção aos sons da tirania, da injustiça e do desespero — com a coragem e a determinação para silenciá-los. Ao acabar com os conflitos, instalar a ordem e ajudar aqueles que não conseguem se ajudar, os fuzileiros navais enfrentam as ameaças de nosso tempo”.
Talvez, neste universo orwelliano, deveríamos pedir aos afegãos mortos, nos quais os fuzileiros navais urinaram, ou aos milhares de mortos em Fallujah, que fizessem uma resenha do filme. Bem, homens mortos não escrevem. Talvez pudessemos pensar no dia em que a OTAN vai instalar uma zona de exclusão aérea sobre a Arábia Saudita para proteger os xiitas das províncias do leste, enquanto os aviões não-tripulados do Pentágono disparam mísseis Hellfire contra os milhares de príncipes da Casa de Saud, arrogantes, medievais e corruptos. Não, não vai acontecer.
Mais de uma década depois do início da guerra contra o terror, é a isso o que o mundo chegou: uma audiência virtualmente mundial de preguiçosos, exaustos, atordoados, conduzidos de distração em distração, impotentemente viciados na desprezível atrocidade das guerras pornô.
1 de abril de 2012
21 de março de 2012
3 de março de 2012
18 de fevereiro de 2012
A articulação da CIA na América Latina
A USAID e a articulação da CIA na América Latina
Enviado por luisnassif, sab, 18/02/2012 - 10:17
Por Assis Ribeiro
Do Pravda
EUA investem bilhões anuais em operações de ingerência da USAID/CIA
A CIA mantém sua ingerência na América Latina e um de seus principais braços, a USAID.
Resumen Latinoamericano - Anualmente, os EUA investem bilhões de dólares em operações "humanitárias" na América Latina e no Caribe, empreendidas pela chamada Agência para o Desenvolvimento Internacional (USAID). As informações foram reveladas por Feierstein, administrador do órgão estatal norte-americano, denunciado por ser uma fachada da inteligência norte-americana.
Feierstein, um funcionário federal com passado vinculado às atividades de ingerência, disse em Miami que o Haiti, - onde a USAID realizou atividades controversas -, Colômbia, México, América Central e Peru, estão na "lista de prioridades" desse organismo.
Num momento de excesso de entusiasmo para celebrar os "êxitos" desta dependência do Secretário de Estado, Feierstein declarou abertamente que foram dedicados "cinco milhões" para a "democracia" na Venezuela este ano, ainda que a USAID tenha se retirado do país por temer a Lei da Defesa da Soberania Política e da Autodeterminação Nacional - que proíbe, desde fins de 2010, o financiamento externo para partidos políticos.
p>Um "setor muito importante para essa agência é o relacionado com a democracia e, por isso, ela implanta programas para o fortalecimento das instituições em quase todos os países da região", justificou sem referência à violação da lei.
No caso da Venezuela, se destinam cinco milhões de dólares em assistência técnica para "promover e proteger a democracia e os direitos humanos", afirmou o funcionário.
"Estrategista" de candidato assassino
Em 2002, este chefe regional da USAID, especialista em ingerência, exerceu o cargo de estrategista na campanha eleitoral do ex-presidente boliviano Gonzalo "Goni" Sánchez de Lozada e de seu Movimento Nacionalista Revolucionário (MNR). "Goni" foi quem ordenou o sangrento massacre que causou a morte de 67 pessoas e ferimentos em outras 400, todas civis, durante a denominada 'Guerra do Gás', em outubro de 2003. Fugitivo da justiça boliviana, atualmente, "Goni" encontra-se radicado nos EUA.
Os ideais de Feierstein são tão "humanitários" que o mesmo foi sucessivamente nomeado nos anos 90 como "Gerente de Projeto", na Nicarágua, na operação suja realizada pela National Endowment for Democracy (NED), subsidiária da USAID; Diretor para América Latina e Caribe do Instituto Democrático Nacional, outro instrumento de ingerência imperial subsidiado pela USAID; e Assessor Especial do embaixador norte-americano na Organização dos Estados Americanos (OEA).
No mesmo dia da conferência de imprensa do funcionário norte-americano, o presidente boliviano Evo Morales denunciou em seu país que os Estados Unidos, através da USAID, espionavam "a Bolívia e outros países latino-americanos".
"Estou convencido que algumas ONG's, especialmente aquelas financiadas pela USAID, são a quinta instância de espionagem, não só na Bolívia, mas em toda América Latina", acusou Evo Morales em coletiva de imprensa, na cidade de Oruro.
México, o impacto potencial para os Estados Unidos
Com respeito à Colômbia e o México, Feierstein admite que sua organização "presta assistência em temas de segurança", sem dar maiores explicações sobre o assunto.
"No México, disse, a batalha é travada contra o tráfico de drogas", enquanto na Colômbia, a busca é por "consolidar seus avanços em segurança".
"Esses assuntos agora se converteram em prioridades para a USAID", confessou.
No México, disse, o organismo norte-americano multiplica as operações "porque pode ser grande o impacto potencial para os Estados Unidos quando existe instabilidade pela violência criminosa".
O funcionário não fez referências à onipresença norte-americana no país asteca, confirmada por estes mesmos órgãos de segurança, do FBI, da DEA e... da CIA.
Segundo o Feierstein, a USAID destina aproximadamente 180 milhões de dólares à Colômbia e entre 50 e 60 milhões de dólares ao Peru, México, Honduras e Guatemala.
"Estamos muito contentes com o progresso alcançado pelo Haiti", disse ao afirmar que "na área da produção agrícola, onde a USAID está trabalhando com os agricultores (sic), foi possível triplicar a produção nos últimos dois anos".
Além disso, mostrou-se muito entusiasmo com um parque industrial que será inaugurado no norte do Haiti com empresas norte-americanas.
No entanto, evitou recordar que a USAID, antes e depois do terremoto, organizou, orientou e financiou várias das organizações políticas haitianas do país, em coordenação com o Departamento de Estado e, paralelamente, com a presença de 10.000 homens do Comando Sul.
A USAID também teve papel fundamental na derrocada do Presidente Jean-Bertrand Aristide, em 2004.
Em Cuba, onda a USAID gasta seus milhões em operações de desestabilização empreendidas por contratados. Estes fundos estão distribuídos por Mark Lopes, Subadministrador adjunto, que foi "representante pessoal" do senador cubano-americano Bob Menendez, digno representante da máfia cubano-americana no Capitólio de Washington, cúmplice de cada "iniciativa" legislativa hostil à Cuba e Venezuela.
Na América Latina, foram detectados, nos últimos anos, rastros da USAID na Bolívia, Brasil, Colômbia, Cuba, Equador, El Salvador, Guatemala, Haiti, Honduras, México, Nicarágua, Panamá, Peru, República Dominicana e Venezuela.
Em diversas ocasiões, demonstrou-se que a USAID, além de dar cobertura a oficiais da CIA, recruta, prepara e financia elementos que logo se manifestam como agentes a serviço dos interesses norte-americanos.
11 de janeiro de 2012
Custo Brasil? Não! Lucro Brasil
O Brasil tem o carro mais caro do mundo. Por quê? Os principais argumentos das montadoras para justificar o alto preço do automóvel vendido no Brasil são a alta carga tributária e a baixa escala de produção. Outro vilão seria o alto valor da mão de obra, mas os fabricantes não revelam quanto os salários – e os benefícios sociais – representam no preço final do carro. Muito menos os custos de produção, um segredo protegido por lei.
A explicação dos fabricantes para vender no Brasil o carro mais caro do mundo é o chamado Custo Brasil, isto é, a alta carga tributária somada ao custo do capital, que onera a produção. Mas as histórias que você verá a seguir vão mostrar que o grande vilão dos preços é, sim, o Lucro Brasil. Em nenhum país do mundo onde a indústria automobilística tem um peso importante no PIB, o carro custa tão caro para o consumidor.
A indústria culpa também o que chama de Terceira Folha pelo aumento do custo de produção: os gastos com funcionários, que deveriam ser papel do estado, mas que as empresas acabam tendo que assumir como condução, assistência médica e outros benefícios trabalhistas.
Com um mercado interno de um milhão de unidades em 1978, as fábricas argumentavam que seria impossível produzir um carro barato. Era preciso aumentar a escala de produção para, assim, baratear os custos dos fornecedores e chegar a um preço final no nível dos demais países produtores.
Pois bem: o Brasil fechou 2010 como o quinto maior produtor de veículos do mundo e como o quarto maior mercado consumidor, com 3,5 milhões de unidades vendidas no mercado interno e uma produção de 3,638 milhões de unidades.
Três milhões e meio de carros não seria um volume suficiente para baratear o produto? Quanto será preciso produzir para que o consumidor brasileiro possa comprar um carro com preço equivalente ao dos demais países?
Segundo Cledorvino Belini, presidente da Anfavea, é verdade que a produção aumentou, mas agora ela está distribuída em mais de 20 empresas, de modo que a escala continua baixa. Ele elegeu um novo patamar para que o volume possa propiciar uma redução do preço final: cinco milhões de carros.
A carga tributária caiu
O imposto, o eterno vilão, caiu nos últimos anos. Em 1997, o carro 1.0 pagava 26,2% de impostos, o carro com motor até 100hp recolhia 34,8% (gasolina) e 32,5% (álcool). Para motores mais potentes o imposto era de 36,9% para gasolina e 34,8% a álcool.
Hoje – com os critérios alterados – o carro 1.0 recolhe 27,1%, a faixa de 1.0 a 2.0 paga 30,4% para motor a gasolina e 29,2% para motor a álcool. E na faixa superior, acima de 2.0, o imposto é de 36,4% para carro a gasolina e 33,8% a álcool.
Quer dizer: o carro popular teve um acréscimo de 0,9 ponto percentual na carga tributária, enquanto nas demais categorias o imposto diminuiu: o carro médio a gasolina paga 4,4 pontos percentuais a menos. O imposto da versão álcool/flex caiu de 32,5% para 29,2%. No segmento de luxo, o imposto também caiu: 0,5 ponto no carro e gasolina (de 36.9% para 36,4%) e 1 ponto percentual no álcool/flex.
Carro 1997 2010
Motor 1.0 26,2% de impostos 27,1% de impostos
Até 100hp (ou 2.0) 34,8% gasolina 30,4% gasolina 32,5% álcool 29,2% álcool
Acima 2.0 36,9% gasolina 36,4% gasolina 34,8% a álcool 33,8% álcool
Enquanto a carga tributária total do País, conforme o Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário, cresceu de 30,03% no ano 2000 para 35,04% em 2010, o imposto sobre veículo não acompanhou esse aumento.
Isso sem contar as ações do governo que baixou o IPI (retirou, no caso dos carros 1.0) durante a crise econômica. A política de incentivos durou de dezembro de 2008 a abril de 2010, reduzindo o preço do carro em mais de 5% sem que esse benefício fosse totalmente repassado para o consumidor.
As montadoras têm uma margem de lucro muito maior no Brasil do que em outros países. Uma pesquisa feita pelo banco de investimento Morgan Stanley, da Inglaterra, mostrou que algumas montadoras instaladas no Brasil são responsáveis por boa parte do lucro mundial das suas matrizes e que grande parte desse lucro vem da venda dos carros com aparência fora de estrada. Derivados de carros de passeio comuns, esses carros ganham uma maquiagem e um estilo aventureiro. Alguns têm suspensão elevada, pneus de uso misto, estribos laterais e para choque saliente. Outros têm faróis de milha e, alguns, o estepe na traseira, o que confere uma aparência mais esportiva.
A margem de lucro é três vezes maior que em outros países
O Banco Morgan concluiu que esses carros são altamente lucrativos, têm uma margem muito maior do que a dos carros dos quais são derivados. Os técnicos da instituição calcularam que o custo de produção desses carros, como o CrossFox, da Volks, e o Palio Adventure, da Fiat, é 5 a 7% acima do custo de produção dos modelos dos quais derivam: Fox e Palio Weekend. Mas são vendidos por 10% a 15% a mais.
O Palio Adventure (que tem motor 1.8 e sistema locker), custa R$ 52,5 mil e a versão normal R$ 40,9 mil (motor 1.4), uma diferença de 28,5%. No caso do Doblò (que tem a mesma configuração), a versão Adventure custa 9,3% a mais.
O analista Adam Jonas, responsável pela pesquisa, concluiu que, no geral, a margem de lucro das montadoras no Brasil chega a ser três vezes maior que a de outros países.
O Honda City é um bom exemplo do que ocorre com o preço do carro no Brasil. Fabricado em Sumaré, no interior de São Paulo, ele é vendido no México por R$ 25,8 mil (versão LX). Neste preço está incluído o frete, de R$ 3,5 mil, e a margem de lucro da revenda, em torno de R$ 2 mil. Restam, portanto R$ 20,3 mil.
Adicionando os custos de impostos e distribuição aos R$ 20,3 mil, teremos R$ 16.413,32 de carga tributária (de 29,2%) e R$ 3.979,66 de margem de lucro das concessionárias (10%). A soma dá R$ 40.692,00. Considerando que nos R$ 20,3 mil faturados para o México a montadora já tem a sua margem de lucro, o Lucro Brasil (adicional) é de R$ 15.518,00: R$ 56.210,00 (preço vendido no Brasil) menos R$ 40.692,00.
Isso sem considerar que o carro que vai para o México tem mais equipamentos de série: freios a disco nas quatro rodas com ABS e EBD, airbag duplo, ar-condicionado, vidros, travas e retrovisores elétricos. O motor é o mesmo: 1.5 de 116cv.
Será possível que a montadora tem um lucro adicional de R$ 15,5 mil num carro desses? O que a Honda fala sobre isso? Nada. Consultada, a montadora apenas diz que a empresa não fala sobre o assunto.
Na Argentina, a versão básica, a LX com câmbio manual, airbag duplo e rodas de liga leve de 15 polegadas, custa a partir de US$ 20.100 (R$ 35.600), segundo o Auto Blog.
Já o Hyundai ix35 é vendido na Argentina com o nome de Novo Tucson 2011 por R$ 56 mil, 37% a menos do que o consumidor brasileiro paga por ele: R$ 88 mil.
Porque o mesmo carro é mais barato na Argentina e no Chile?
A ACARA, Associacion de Concessionários de Automotores De La Republica Argentina, divulgou em fevereiro, no congresso dos distribuidores dos Estados Unidos (N.A.D.A), em São Francisco, os valores comercializados do Corolla nos três países. No Brasil o carro custa U$ 37.636,00, na Argentina U$ 21.658,00 e nos EUA U$ 15.450,00.
O consumidor paraguaio paga pelo Kia Soul U$ 18 mil, metade do preço do mesmo carro vendido no Brasil. Ambos vêm da Coréia. Não há imposto que justifique tamanha diferença de preço.
Outro exemplo de causar revolta: o Jetta é vendido no México por R$ 32,5 mil. No Brasil esse carro custa R$ 65,7 mil.
Quer mais? O Gol I-Motion com airbags e ABS fabricado no Brasil é vendido no Chile por R$ 29 mil. Aqui custa R$ 46 mil.
A Volkswagen não explica a diferença de preço entre os dois países. Solicitada pela reportagem, enviou o seguinte comunicado:
As principais razões para a diferença de preços do veículo no Chile e no Brasil podem ser atribuídas à diferença tributária e tarifária entre os dois países e também à variação cambial.
Questionada, a empresa enviou nova explicação:
As condições relacionadas aos contratos de exportação são temas estratégicos e abordados exclusivamente entre as partes envolvidas.
Nenhum dirigente contesta o fato de o carro brasileiro ser caro, mesmo considerando o preço FOB: o custo de produção, sem a carga tributária.
Mas o assunto é tão evitado que até mesmo consultores independentes não arriscam a falar, como o nosso entrevistado, um ex-executivo de uma grande montadora, hoje sócio de uma consultoria, e que pediu para não ser identificado.
Ele explicou que no segmento B do mercado, onde estão os carros de entrada, Corsa, Palio, Fiesta, Gol, a margem de lucro não é tão grande, porque as fábricas ganham no volume de venda e na lealdade à marca. Mas nos segmentos superiores o lucro é bem maior.
O que faz a fábrica ter um lucro maior no Brasil do que no México, segundo consultor, é o fato do México ter um mercado mais competitivo.
City é mais barato no México do que no Brasil por causa do drawback
Um dirigente da Honda, ouvido em off, responsabilizou o drawback, para explicar a diferença de preço do City vendido no Brasil e no México. O drawback é a devolução do imposto cobrado pelo Brasil na importação de peças e componentes importados para a produção do carro. Quando esse carro é exportado, o imposto que incidiu sobre esses componentes é devolvido, de forma que o valor base de exportação é menor do que o custo industrial, isto é: o City é exportado para o México por um valor menor do que os R$ 20,3 mil. Mas quanto é o valor dos impostos das peças importadas usadas no City feito em Sumaré? A fonte da Honda não responde, assim como outros dirigentes da indústria se negam a falar do assunto.
Ora, quanto poderá ser o custo dos equipamentos importados no City? Com certeza é menor do que a diferença de preço entre o carro vendido no Brasil e no México (R$ 15 mil).
A propósito, não se deve considerar que o dólar baixo em relação ao real barateou esses componentes?
A conta não bate e as montadoras não ajudam a resolver a equação. O que acontece com o Honda City é apenas um exemplo do que se passa na indústria automobilística. Apesar da grande concorrência, nenhuma das montadoras ousa baixar os preços dos seus produtos. Uma vez estabelecido, ninguém quer abrir mão do apetitoso Lucro Brasil.
Ouvido pela AutoInforme, quando esteve em visita a Manaus, o presidente mundial da Honda, Takanobu Ito, respondeu que, retirando os impostos, o preço do carro do Brasil é mais caro que em outros países porque aqui se pratica um preço mais próximo da realidade. Lá fora é mais sacrificado vender automóveis.
Ele disse que o fator câmbio pesa na composição do preço do carro Brasil, mas lembrou que o que conta é o valor percebido. O que vale é o preço que o mercado paga.
E porque o consumidor brasileiro paga mais do que os outros?
Eu também queria entender – respondeu Takanobu Ito – a verdade é que o Brasil tem um custo de vida muito alto. Até o McDonald aqui é o mais caro do mundo.
Se a moeda for o Big Mac – confirmou Sérgio Habib, que foi presidente da Citroën e hoje é importador da chinesa JAC – o custo de vida do brasileiro é o mais caro do mundo. O sanduíche custa U$ 3,60 lá e R$ 14,00 aqui. Sérgio Habib investigou o mercado chinês durante um ano e meio à procura por uma marca que pudesse representar no Brasil. E descobriu que o governo chinês não dá subsídio à indústria automobilística; que o salário dos engenheiros e dos operários chineses não são menores do que os dos brasileiros.
Tem muita coisa torta no Brasil – concluiu o empresário, não é o carro. Um galpão na China custa R$ 400,00 o metro quadrado, no Brasil custa R$ 1,2 mil. O frete de Xangai e Pequim custa U$ 160,00 e de São Paulo a Salvador R$ 1,8 mil.
Para o presidente da PSA Peugeot Citroën, Carlos Gomes, os preços dos carros no Brasil são determinados pela Fiat e pela Volkswagen. As demais montadoras seguem o patamar traçado pelas líderes, donas dos maiores volumes de venda e referência do mercado, disse.
Fazendo uma comparação grosseira, ele citou o mercado da moda, talvez o que mais dita preço e o que mais distorce a relação custo e preço:
Me diga, por que a Louis Vuitton deveria baixar os preços das suas bolsas?, questionou.
Ele se refere ao valor percebido pelo cliente. É isso que vale.
O preço não tem nada a ver com o custo do produto. Quem define o preço é o mercado, disse um executivo da Mercedes-Benz, para explicar porque o brasileiro paga R$ 265.00,00 por uma ML 350, que nos Estados Unidos custa o equivalente a R$ 75 mil.
Por que baixar o preço se o consumidor paga?, explicou o executivo.
Em 2003, quando foi lançado, o EcoEsport, da Ford, não tinha concorrente. Era um carro diferente, inusitado. A Ford cobrou caro a exclusividade: segundo informações de uma fonte que tinha grande ligação com a empresa na época, e conhecia os custos do produto, o carro tinha uma margem líquida de US$ 5 mil.
A montadora põe o preço lá em cima. Se colar, colou
Quando um carro não tem concorrente direto, a montadora joga o preço lá pra cima, disse um dirigente do setor. É usual, até, a fábrica lançar o carro a um preço acima do pretendido, para tentar posicionar o produto num patamar mais alto. Se colar, colou. Caso contrário, passa a dar bônus à concessionárias até reposicionar o modelo num preço que o consumidor está disposto a pagar.
Um exemplo recente revela esse comportamento do mercado. A Kia fez um pedido à matriz coreana de dois mil Sportage por mês, um volume que, segundo seus dirigentes, o mercado brasileiro poderia absorver. E já tinha fixado o preço: R$ 75 mil. Às vésperas do lançamento soube que a cota para o Brasil tinha sido limitada a mil unidades. A importadora, então, reposicionou o carro num patamar superior, para R$ 86 mil. E, como já foi dito aqui: pra que vender por R$ 75 mil se tem fila de espera pra comprar por R$ 86 mil? A versão com câmbio automático, vendida a R$ 93 mil, tem fila de espera e seu preço sobe para R$ 100 mil no mercado paralelo.
Cledorvino Belini, que também é presidente da Fiat Automóveis e membro do Conselho Mundial do Grupo Fiat, responsabiliza os custos dos insumos pelo alto preço do carro feito no Brasil. Disse que o aço custa 50% mais caro no Brasil em relação a outros países e que a energia no País é uma das mais caras do mundo.
A Anfavea está fazendo um Estudo de Competitividade para mostrar ao governo o que considera uma injusta concorrência da indústria instalada no Brasil em relação aos importadores.
Os fabricantes consideram que o custo dos insumos encarece e prejudica a competitividade da indústria nacional. O aço comprado no Brasil é 40% mais caro do que o importado da China, que usa minério de ferro brasileiro para a produção, revelou Belini. Ele apontou também os custos com a logística como um problema da indústria nacional e criticou a oneração do capital. É preciso que o governo desonere o capital nos três setores: cadeia produtiva, na infraestrutura e na exportação de tributos, disse.
Com a crise, o setor mostrou que tem (muita) gordura pra queimar. O preço de alguns carros baixou de R$ 100 mil para R$ 80 mil. Carros mais caros tiveram descontos ainda maiores.
São comuns descontos de R$ 5 mil, 10 mil. Como isso é possível se não há uma margem tão elástica pra trabalhar?
A GM vendeu um lote do Corsa Classic com desconto de 35% para uma locadora paulista, segundo um executivo da locadora em questão. O preço unitário foi de R$ 19 mil!
As montadoras tradicionais tentam evitar o óbvio, que é a perda de participação para as novas montadoras, disse José Carlos Gandini, presidente da Kia e da Abeiva, a associação dos importadores de veículos. O dólar é o mesmo pra todo mundo. As montadoras também compram componentes lá fora, e muito. Além disso, os importados já pagam uma alíquota de 35%, por isso não se trata de uma concorrência desleal, ao contrário, as grandes montadoras não querem é abrir mão da margem de lucro.
Míni no tamanho, big no preço
Míni, Fiat 500, Smart, são conceitos diferentes de um carro comum: embora menores do que os carros da categoria dos pequenos, eles proporcionam mais conforto, sem contar o cuidado e o requinte com que são construídos. São carros chiques, equipados, destinados a um público que quer se exibir, que quer estar na moda. Que paga R$ 60 mil por um carro menor do que o Celta que custa R$ 30 mil e já é caro.
Onde estão os R$ 30 mil que o consumidor está pagando a mais pelo Smart e o Cinquecento e os R$ 70 mil a mais pelo Míni Cooper?
A Mercedes-Benz, importadora do Smart, fez as contas a nosso pedido dos acessórios do minicarro. Ele tem quatro airbags, ar-condicionado digital, freios ABS com EBD, controle de tração e controle de estabilidade. Segundo a empresa, o custo desse pacote seria em torno de R$ 20 mil, considerando os preços de equipamentos para a linha Mercedes, uma vez que o Smart já vem completo e não dispõe dos preços desses equipamentos separados.
Mesmo considerando esses preços ainda não se justifica os R$ 62 mil para um carro que leva apenas duas pessoas.
A Fiat vende o Cinquencento por R$ 62 mil, exatamente, e não por acaso, o mesmo preço do Smart. O carro tem sete airbags, banco de couro, ar-condicionado digital, teto solar, controle de tração, mas é menor que o Celta. Esse pacote custaria, somando os valores dos equipamentos, conforme preços divulgados pela Fiat, R$ 24 mil. Portanto, no preço cobrado, de R$ 62 mil, tem uma margem de lucro muito maior do que a de um carro comum.
E quem comprar o minúsculo Míni Cooper vai pagar a pequena fortuna de R$ 105 mil.
Claro que tamanho não é documento, especialmente quando se fala de carro. Você poderia dizer que a Ferrari é do tamanho de uma Kombi. Mas o fato é que as montadoras posicionam seus produtos num determinado patamar sem levar em conta o tamanho, o tipo de uso ou o custo do produto, mas apenas o preço que o mercado paga, optando por vender mais caro em vez de priorizar o volume, ganhando na margem de lucro.
Essa política pode ser válida para uma bolsa da Louis Vuitton, um produto supérfluo destinado a uma pequena parcela da elite da sociedade, ou mesmo para uma Ferrari, pra não sair do mundo do automóvel. Mas não deveria ser para um carro comum.
Além disso, existem exemplos de carro muito bem equipado a preços bem mais baixos. O chinês QQ, da Chery, vem a preço de popular mesmo recheado de equipamentos, alguns deles inexistentes mesmo em carros de categoria superior, como airbag duplo e ABS, além de CD Player, sensor de estacionamento. O carro custa R$ 22.990,00, isso porque o importador sofreu pressão das concessionárias para não baixar o preço ainda mais. A idéia original – disse o presidente da Chery no Brasil, Luiz Curi – era vender o QQ por R$ 19,9 mil. Segundo Curi, o preço do QQ poderá chegar a menos de R$ 20 mil na versão 1.0 flex, que chega no ano que vem. Hoje o carro tem motor 1.1 litro e por isso recolhe o dobro do IPI do 1000cc, ou 13%, isso além dos 35% de Imposto Importação.
As fábricas reduzem os custos com o aumento da produção, espremem os fornecedores, que reclamam das margens limitadas, o governo reduz imposto, como fez durante a crise, as vendas explodem e o Brasil se torna o quarto maior mercado do mundo.
E o Lucro Brasil permanece inalterado, obrigando o consumidor a comprar o carro mais caro do mundo.
Agência Auto Informe