26 de agosto de 2009

A ciência, o método e a Geografia.

No sentido clássico, a ciência é um saber metódico e rigoroso, no entanto, modernamente, ela não pode ser considerada como um saber absoluto e puro, racionalizado, transparente e objetivo, especialmente quando lidamos com as chamadas “Ciências Humanas”.


Os cientistas não vivem em um mundo à parte, onde fariam pesquisas desinteressadas, buscando apenas a verdade absoluta. Assim, as idéias e métodos científicos não são independentes da filosofia, da religião, ou da ideologia dominante, e por isso, é tão questionável a neutralidade da ciência, pois esta é feita basicamente por pessoas, que não estão imunes a juízos de valor vigentes na sociedade.


Considerando esses pressupostos, a distinção entre o conhecimento cientifico e o senso comum estaria no uso do método, ou seja, no caminho pelo qual é criado ou construído certo conhecimento. Mas ao contrário do que crêem muitos cientistas, não existe apenas um método, e sua escolha pelo pesquisador é geralmente mais influenciada pela sua formação cultural e ideológico do que por questões puramente racionais.


Nas ciências humanas, onde incluo a Geografia, podemos afirmar que o debate filosófico entre o positivismo, o historicismo (fenomenologia) e a dialética, influenciaram decisivamente nos métodos adotados pelos pesquisadores.


O ponto central do debate metodológico na Geografia sempre foi o da tentativa de afirmação desta como ciência, já que as ciências exatas (Matemática, Física, Química) já haviam obtido esse reconhecimento. Infelizmente, essa busca pelo status cientifico retirou por muito tempo a Geografia do debate filosófico, restringindo-a ao conflito determinismo (positivismo) X possibilismo (historicismo), e relegando as contribuições da dialética.


Positivismo:


Segundo os positivistas, a sociedade seria regida por leis naturais, independente das vontades dos homens. Assim, as ciências da sociedade, da mesma forma que as exatas, deveriam limitar-se a dar explicações objetivas, neutras e livres de julgamentos morais.


O positivismo, como uma utopia critico-revolucionária da burguesia, nasce para negar o Absolutismo, mas transforma-se, na atualidade, em uma ideologia conservadora identificada com a ordem industrial e burguesa.

Para esses cientistas não se discute método, já que o positivismo seria o único, somente se fala em metodologia, entendida não como a ciência que estuda o método, mas como as etapas necessárias para obter determinados resultados.


A influência dessa corrente filosófica na Geografia pode ser percebida inicialmente nos estudos que buscavam identificar os impactos dos aspectos naturais na sociedade, ou seja, as pesquisas que partem do pressuposto de que a natureza determina o desenvolvimento da sociedade (determinismo). Posteriormente, o positivismo marca a chamada Geografia quantitativa, na qual a base das pesquisas é a estatística (IBGE), e se atribui grande importância aos mapas (representação cartesiana da realidade).


Historicismo.


Nasce como oposição ao positivismo, pois parte da seguinte premissa: todo fenômeno cultural, social ou político é histórico. Dessa forma, a sociedade seria uma fato histórico, não natural.

O historicismo considera que a pesquisa e o pesquisador estão imersos na história, a explicação dos fenômenos encontra-se nas idéias, não na realidade, portanto não pode haver conhecimento neutro ou isento.


O principal desenvolvimento dessa corrente filosófica na Geografia ocorreu na França, com o chamado possibilismo, em oposição ao determinismo alemão. Os possibilistas entendem o espaço como um produto de relações humanas, não como algo natural, portanto, os aspectos naturais seriam importantes, mas a intervenção humana (a técnica, a economia e a política) definiria o desenvolvimento ou não de cada região.


Dialética


Apesar de historicamente ignorada pela Geografia oficial, a dialética viria a ter um importante papel no desenvolvimento dessa ciência.

A dialética parte do pressuposto de que na produção social de sua própria vida, os homens contraem relações determinadas, necessárias e independentemente de suas vontades, as chamadas relações de produção, que mudam paralelamente com o desenvolvimento das forças produtivas.


A pesquisa orientada metodologicamente pela dialética, parte da realidade concreta, não das idéias. Porém não deve se limitar a descrever essa realidade, buscando também transformá-la.

O método dialético está assentado na teoria do materialismo histórico, que busca entender a história e o desenvolvimento do capitalismo segundo uma concepção revolucionária.

Essa teoria entende a sociedade como uma totalidade, constituída pela infraestrutura e pela superestrutura:


Superestrutura


Formada por: ideologia, política, meios de comunicação, escola, religião, família, filosofia, artes etc


Infraestrutura:


Engloba a base econômica da sociedade: produção, distribuição, circulação e consumo de mercadorias.


No entendimento desse conjunto que formaria a sociedade, inclui-se sempre a existência da luta de classes, e conseqüentemente, grupos dominantes e dominados (nos meios de comunicação, por exemplo, temos Globo, Estadão, Folha e Veja de um lado, Carta Capital, Caros Amigos, Revista Fórum, e centenas de Blogs independentes do outro).


A Geografia influenciada pela dialética estuda a gênese e os processos de desenvolvimento locais, regionais ou nacionais, submetendo à análise dos quadros naturais aos impactos causados pela atuação de diferentes agentes sociais (Estado, Empresas, Associações etc), considerando sempre a heterogeneidade da sociedade e a presença da luta de classes.



Para terminar...


Estamos muito longe de resolver o eterno debate dentro da Geografia, sobre qual seria o seu método e seu objeto de estudo. Mal podemos definir a mesma como uma ciência da natureza ou uma ciência social, como pode ser percebido nos diferentes centros universitários onde se localizam os bacharelados de Geografia (já que existem cursos em faculdades de ciências humanas, exatas, naturais e da terra, cada qual com suas linhas de pesquisas correspondentes).


Entretanto, a falta de definições metodológicas firmes permite que essa ciência englobe constantemente novas contribuições, mantendo um debate filosófico sempre aceso e dinâmico, mesmo com a existência de alguns grupos de pesquisadores que formam verdadeiras “igrejas” da Geografia.


De certa forma, podemos dizer que a dificuldade da Geografia em definir seu método e objeto de estudo não a isola de diversas outras ciências que também possuem essas pendências. Afinal, o que é a vida para a Biologia? O que é o tempo para a Física? O que é a mente para a Psicologia?


E se quisermos complicar as coisas, bastaria indagar a um filosofo: Existe uma verdade?


“Não há verdade primeira, só há erros primeiros” (Bachelard)


Entendeu?