25 de abril de 2011

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5 de abril de 2011

Brasil e Irã: as consequências de um voto

por Celso Amorim, na CartaCapital

No dia 24 de março, o Brasil apoiou a resolução do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas que instituiu um Relator Especial para investigar a situação no Irã. Esse tipo de relator sobre um país específico, do ponto de vista simbólico, representa o nível mais alto de questionamento sobre o estado dos direitos humanos. Para se ter uma ideia, apenas oito paí­ses estão sujeitos a esse tipo de escrutínio.

Se excluirmos o Haiti, cuja inclusão se deve sobretudo aos efeitos de catástrofes naturais e contou com o apoio do próprio governo de Porto Príncipe, todos os demais (Camboja, Mianmar, Somália etc.) foram palco de tragédias humanitárias graves. São em geral países muito pobres, ditos de menor desenvolvimento relativo, em que o Estado, seja por incapacidade (Burundi, Haiti), seja em razão de sistemas políticos autocráticos (Coreia do Norte, Myanmar), não atende minimamente às necessidades dos seus cidadãos.

Mesmo países, certa ou erradamente, considerados pelas potências ocidentais como ditaduras (Cuba, China e Líbia, antes dos últimos acontecimentos) ou que passaram a ser qualificados como tais recentemente (Egito e Tunísia, antes da Revolução do Jasmim) não fazem parte dessa lista infamante. Noto, a propósito, que um recente artigo publicado no Herald Tribune dava conta da opinião de um ex-diplomata norte-americano sediado em Teerã de que haveria no Irã mais elementos de democracia do que no Egito de Mubarak, então apontado como exemplo de líder árabe moderado. Que eu me recorde, o Irã é o único país que poderia ser classificado como uma potência média que está sujeita a esse tipo de escrutínio. Não procedem explicações que procuram minimizar a importância da decisão com comparações do tipo: “O Brasil também recebe relatores” ou “não houve condenação”.

Não há como comparar os relatores temáticos que têm visitado o Brasil com a figura de um relator especial por país. Na semiologia política do Conselho de Direitos Humanos e de sua antecessora, a Comissão, a nomeação de um relator especial (ressalvados os casos de desastres naturais ou situações pós-guerras civis, em que o próprio país pede ou aceita o relator) é o que pode haver de mais grave. Se não se trata de uma condenação explícita, implica, na prática, colocar o país no banco dos réus. Quando fui ministro do presidente Itamar Franco, viajei a Cuba com uma carta do nosso chefe de Estado, a qual, além de referir-se à ratificação do Tratado de Tlatelolco, sugeria que Cuba fizesse algum gesto na área de direitos humanos.

Cuba admitiu convidar o Alto Comissário das Nações Unidas para o tema, mas recusou-se terminantemente a receber o relator especial sobre o país. Conto isso não para justificar a atitude de Havana, mas para ilustrar a reação que desperta a figura do relator especial. Não cabe assim diminuir a importância do voto da semana passada. Pode-se concordar ou não com ele, mas dizer que não afetará as nossas relações com Teerã ou a percepção que se tem da nossa postura internacional é tapar o sol com a peneira.

Nos últimos meses e anos, o Brasil participou de várias ações ou empreendeu gestões que resultaram na libertação de pessoas detidas pelo governo iraniano, tanto estrangeiros quanto nacionais daquele país. É difícil determinar qual o peso exato que nossas démarches tiveram em situações como a da norte-americana Sarah Shroud ou do cineasta Abbas Kiarostami. No primeiro caso, a jovem alpinista veio nos agradecer em pessoa. Em outros casos, como a da francesa Clotilde Reiss, não hesito em afirmar que a ação brasileira foi absolutamente determinante. Mesmo no triste caso da mulher ameaçada de apedrejamento, Sakineh Ashtiani, os apelos do nosso presidente, seguidos de várias gestões no meu nível junto ao ministro do


Exterior iraniano e ao próprio presidente Ahmadinejad, certamente contribuíram para que aquela pena bárbara não tenha se concretizado.

Poderia mencionar outros, como o do grupo de bahais, cuja condenação à morte parecia iminente. Evidentemente, tais ações só puderam ser tomadas e só tiveram efeito porque havia um certo grau de confiança na relação entre Brasília e Teerã, grau de confiança que não impediu que o presidente Lula tenha demonstrado ao presidente iraniano o absurdo de suas declarações que negavam a existência do Holocausto ou que propugnavam pela eliminação do Estado de Israel. Parece-me muito improvável que o governo brasileiro se sinta à vontade para esse tipo de démarche depois do voto do dia 24. Ou caso se sinta, que os nossos pedidos venham a ser atendidos. Muito menos terá o Brasil condições de participar de um esforço de mediação como o que empreendemos com a Turquia, em busca de uma solução pacífica e negociada para a questão do programa nuclear iraniano (o que, certamente, fará a alegria daqueles que desejam ver o Brasil pequeno e sem projeção internacional). Oxalá eu esteja errado.

A substituição de manufaturados pela China

Do Valor

Setores de produção padronizada demitem e importam da China

Sergio Lamucci | De São Paulo
05/04/2011

A feroz concorrência chinesa no mercado brasileiro causa grandes estragos a empresas que produzem bens manufaturados com características de "commodities". Em segmentos como válvulas industriais, elevadores e ferramentas, os produtos mais simples e padronizados têm sido duramente atingidos pela competição asiática. Para sobreviver, muitas companhias passam a importar o que antes produziam ou compravam de outras empresas no país, reduzindo o número de empregados. O câmbio valorizado, o peso dos impostos e o alto custo do capital e da mão de obra complicam a vida desses setores, dizem empresários.

Presidente da câmara setorial de válvulas industriais da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), Pedro Lucio diz que, dos 72 associados, 80% já importam 100% do que vendem. Em 2005, esse percentual era de 40% a 50%. Segundo ele, são empresas que atuam no segmento de "válvulas-commodities", uma referência a produtos padronizados e com baixo valor agregado. Nesse segmento, o produto chinês é 60% mais barato que o brasileiro. "Com essa diferença de preços, as empresas brasileiras não conseguem concorrer." O setor, que tinha cerca de 13 mil empregos em 2008, emprega hoje cerca de 7 mil pessoas, segundo suas estimativas.

oLucio diz que ainda é viável produzir aqui válvulas com maior diferenciação. É o caso dos produtos fabricados por sua empresa, a RTS, que faz as chamadas válvulas borboleta. No entanto, para manter a competitividade, Lucio importa, desde o ano passado, um componente da China, o que lhe permitiu reduzir o preço final do produto de 20% a 30%. A parte de sua produção vendida para a Petrobras, porém, não leva essa peça, para garantir o índice de nacionalização exigido, de 90%.

O empresário relata que, mesmo com a redução de preços obtida com o componente chinês, conseguiu apenas manter o faturamento de 2010 no nível do de 2009, que ficou 40% abaixo do de 2008, por conta dos efeitos da crise. Lucio diz que demitiu 70 de seus 180 funcionários em 2009, mantendo desde então um quadro de 110 empregados. O empresário se queixa do custo dos insumos - "o quilo do aço inoxidável, que no Brasil sai por R$ 34, custa US$ 3 [pouco menos que R$ 5] na China" - e também do aumento dos custos salariais - em 2010, o reajuste dos trabalhadores da categoria foi de 9,52%. Com o câmbio valorizado e a carga tributária, fica difícil competir com os produtos, especialmente os chineses, diz ele.

A situação também é bastante complicada para os fabricantes de elevadores, diz Jomar Cardoso, presidente do Sindicato das Empresas de Elevadores de São Paulo (Seciesp). Segundo ele, 50% do que é vendido por aqui vem do exterior. "Em 2005, esse percentual ficava em 20% a 30%", afirma, observando que há muitos componentes importados. "Em cinco anos, não haverá mais indústria brasileira de elevadores", diz Cardoso, presidente da Elevadores Villarta.

Como no caso das válvulas industriais, Cardoso diz que os produtos chineses são extremamente competitivos no caso dos elevadores padronizados. Segundo ele, saem pela metade do preço de um fabricado por aqui, contando ainda com uma melhora expressiva de qualidade nos últimos anos.

A competitividade do produto brasileiro é maior em elevadores especiais. A Villarta faz hoje um de 10 toneladas para a Anglo American. A empresa, porém, também compra produtos mais padronizados da China, o equivalente hoje a 30% de suas vendas. "Em 2005, eu não importava quase nada. Em 2009, esse percentual já era de 20%. No fim deste ano, pode chegar a 50%." Cardoso diz que a sua empresa conseguiu aumentar o faturamento em cerca de 20% em 2010, esperando crescer mais 15% neste ano, pelo menos. Hoje, a Villarta tem 55 funcionários, 30 a mais do que tinha em 2005. "Mas eu poderia ter o dobro se fabricasse tudo aqui", afirma ele, para quem a indústria local deixou de aproveitar as oportunidades geradas pelo boom do mercado imobiliário.

"Dos 25 mil empregos que o setor gerava há cerca de 13 anos, hoje restam pouco mais de 10 mil vagas", lamenta ele, apontando os pesados encargos trabalhistas e o câmbio valorizado no Brasil como dois dos grandes responsáveis pela falta de competitividade do produto brasileiro em relação ao chinês, que se beneficia também da enorme escala de produção.

Procuradas, as três maiores empresas do setor, as multinacionais Atlas Schindler, Otis e ThyssenKrupp, não se pronunciaram sobre importações. A Otis informou que "os dados não podem ser divulgados por questões estratégicas da empresa". A ThyssenKrupp foi na mesma linha, dizendo que não "divulga informações de cunho estratégico". A Atlas Schindler afirmou não fornecer dados sobre importações e exportações.

A concorrência chinesa também atinge as empresas filiadas ao Sindicato da Indústria de Artefatos de Ferro, Metais e Ferramentas em Geral no Estado de São Paulo (Sinafer), diz o presidente da entidade, Milton Rezende. Segundo ele, no caso de ferramentas simples, como martelo, chave de fenda e alicate, o custo do produto chinês pode ser de 50% a 70% mais baixo.

Também estão sofrendo muito as empresas que faziam a usinagem de peças para outros setores da indústria, como a automobilística e a de eletrodomésticos, afirma Rezende. As empresas desses segmentos, diz ele, passaram a importar boa parte dos componentes, diminuindo muito as encomendas no mercado interno.

Segundo Rezende, há casos de ferramentas de primeira linha fabricadas em países desenvolvidos, como EUA, Japão e Europa e 25% a 40% mais baratos que as produzidas no Brasil. Ele estima que 30% dos produtos vendidos hoje do setor são importados, dos quais dois terços devem vir da China. Há três anos, o percentual de bens vindos de fora não chegava a 10%, afirma Rezende, destacando o impacto negativo sobre o emprego. O segmento, que em 2008 empregava 282 mil trabalhadores no país todo, terminou 2010 com 265 mil. Também no setor a competitividade brasileira é maior em produtos um pouco mais diferenciados, como ferramentas de alta precisão.

Para Rezende e Cardoso, a situação de seus segmentos evidencia o processo de desindustrialização, com o avanço dos produtos estrangeiros, principalmente asiáticos, ganhando mais espaço e, com isso, reduzindo o nível de emprego.