27 de setembro de 2011

Rivaldo, o anti-anti-herói

Da Carta Capital

Aos 39, jogador dá aula para os meninos mimados da geração 2000 e vira símbolo de um campeonato que anda consagrando atletas desacreditados. Foto: Por Rubens Chiri / saopaulofc.net

Rivaldo é o grande meia-atacante brasileiro que já vi atuar. Não vi Zico, não vi Sócrates, não vi Gerson, não vi Rivellino. Mas posso dizer que, de 1994, quando fui contaminado pela praga de ser torcedor, até os dias atuais, nunca vi ninguém – nem Ronaldinho Gaúcho nem Kaká nem Paulo Henrique Ganso – fazer tanto pelo futebol brasileiro como o atual jogador do São Paulo.

Rivaldo é também o atleta que, por pouco, não sofreu uma das maiores injustiças do futebol nacional ao se aposentar num time pequeno, o Mogi Mirim (que também presidia), sem lembrar o gosto de fazer levantar uma torcida – algo que fazia com mais frequência até o final da década passada, quando viveu seu auge no Barcelona. De 1991, quando estreou pelo Santa Cruz, até hoje, o meia pernambucano disputou e ganhou praticamente tudo o que era possível, de campeonato paulista a Copa do Mundo. Foi ídolo no Corinthians, no Palmeiras e agora, no São Paulo, algo que pouca gente conseguiu.

Se tivesse ficado no Mogi Mirim, time pelo qual ganhou projeção, seguiria fazendo estrago. Mas não estamparia sua foto em capas de jornais e revistas esportivas nem seria reconhecido, como deveria, como autoridade no esporte ao qual se dedicou como operário-padrão.

Porque Rivaldo é um operário-padrão: há alguns meses, era um reserva inutilizado num time que não empolgava e hoje é o 12º titular de um sério candidato ao título. Nas duas situações, quando foi a campo, limitou-se a jogar bola. Deveria dar algumas aulas ao zagueiro Chicão, o candidato a ex-craque do Corinthians que virou reserva e se negou a ficar no banco, à disposição do clube que paga o seu salário, no clássico contra o São Paulo.

Por essas e outras, Rivaldo é uma espécie de anti-anti-herói do futebol nacional. Estourou num tempo em que a moda era ser bad boy, acelerar carro importado na rota das boates de luxo, dar declarações ofensivas ao adversário, comemorar gol imitando bicho, apontando dedo pra torcida (contra ou a favor, não importa) ou aparecendo com uma namorada nova a cada nova capa da revista Caras. Aos 39 anos, é muito provável que ele encerre a carreira num tempo que também não é dele: um tempo em que craque que é craque dá embaixadinha em tubo de antitranspirante para os pés ou posa de modelo de cueca e meia na propaganda da tevê.

O talento para garoto-propaganda é tanto que, em sua estreia pelo clube, quando marcou seu primeiro gol (na vitória contra o Linense, por 3 a 2, pelo Paulistão), o que era festa virou esporro: na hora de comemorar, como sempre, ergueu a camisa sobre a cabeça. O patrocinador, que precisava aparecer na estreia do pentacampeão, não apareceu na foto. Dirigentes e representantes da logomarca custaram a acreditar no que viram – no caso, no que não viram.

Rivaldo não tem busto de homenagem em nenhum clube por onde passou. E, se dependesse de seu apelo na tevê, morreria sem. Alto, magro e desengonçado, Rivaldo já foi alvo de comentarista esportivo que, em brincadeira/deboche, dizia que ele mais parecia um pedreiro do que jogador profissional – algo que talvez não fosse dito se o jogador pernambucano tivesse sotaque do Sul. E talvez fosse mais admirado se fosse mais gente fina com as emissoras, fizesse como todo mundo e imitasse o João Sorrisão em frente das câmeras a cada gol. Rivaldo chegou a ser recriminado por não participar da brincadeira e se negar a rebolar para o programa de tevê.

Enquanto falam da sua timidez, Rivaldo joga bola: anotou cinco gols no Brasileiro com muito menos tempo e mais idade em campo que muito moleque mimado que faz a alegria dos programas esportivos pretensamente engraçadinhos. A maioria dos gols foi decisiva. O último, por exemplo, impediu a derrota do seu time contra o Botafogo, em pleno Engenhão. Quando entrou em campo, o São Paulo perdia por 2 a 0. O gol de empate, marcado por ele já nos minutos finais, veio numa bola cruzada por Rogério Ceni.

Um colega, corintiano de andar de joelhos os anéis do futuro Itaquerão, chegou a comentar, dias atrás, que não lamentaria nenhum gol que Rivaldo anotasse pelos rivais do São Paulo. A promessa está mantida.

Gostem ou não, Rivaldo é hoje o principal exemplo de um campeonato que, se terminasse agora, consagraria atletas que há pouco tempo eram esnobados pelos clubes pelos quais passaram. Tecnicamente, a edição 2011 do Brasileiro pode não ser a mais brilhante (e qual é que foi?), mas, a exemplo do Rivaldo, tem sido didática em vários sentidos. Se terminasse hoje, teria como campeão um time praticamente formado por refugos, a começar pelo treinador, hoje ausente por problemas de saúde e que parecia desacreditado até conquistar, no primeiro semestre, a Copa do Brasil com o Vasco da Gama. O grande destaque da equipe é Diego Souza, escorraçado no Palmeiras e mal aproveitado no Atlético Mineiro nas duas últimas temporadas. Jumar, Eder Luís, Alecssandro e Leandro não brilham com a mesma intensidade, mas têm históricos parecidos de injustiças e perseguições.

Juninho Pernambucano, espécie de líder do time, era considerado um ex-jogador em atividade, e ao deixar o futebol árabe chegou a ser esnobado por metade dos clubes brasileiros. Humilde, voltou ao clube pelo qual se consagrou com um salário muito, mas muito abaixo do inflacionado mercado da bola. A torcida não poderia ser mais grata. Hoje, ele e o time de refugos vascaínos jogam bola e ofuscam muito pseudo-ídolo mimado que surge em campo como nova promessa.

Por fim, vale lembrar também que o artilheiro do campeonato, o santista Borges, é o mesmo atacante que no Grêmio e no São Paulo praticamente tinha que pedir licença para jogar.

Enquanto isso, a aposta em estrelas feita por outros clubes começam a dar em nada. O Palmeiras, por exemplo, dá uma lição a cada jogo sobre como minar qualquer desenho de união em uma equipe ao dar afagos e mimos a dois jogadores, antigos quase ídolos, que estão tão preocupados com o clube quanto com o drama das formigas albinas da Malásia. Cai pelas tabelas porque nitidamente a base de operários não está disposta a segurar a onda dos reizinhos Kleber e Valdívia – que, juntos, somam quatro gols no campeonato, menos do que Rivaldo, com quase o dobro da idade deles. Dá para pensar que o técnico Felipão rola de raiva quando vê pela tevê cada gol do jogador que ele decidiu aposentar precocemente, ao cortar qualquer possibilidade de Rivaldo voltar a atuar no Parque Antártica porque estaria velho. Achou que estaria em melhores mãos (ou pés) com Patrick e Luan.

Rivaldo tem também mais gols que Paulo Henrique Ganso, o menino prodígio do Santos que ultimamente anda com mais vontade de fazer foto para comercial do que em ampliar a marca de dois gols que soma no campeonato. Mário Fernandes, o jogador do Grêmio que dormiu na casa de um amigo e “esqueceu” de servir à seleção, tem, por exemplo, um mísero gol no Brasileiro. A geração dos meninões não poderia estar mais bem representada.

Como no futebol não existe lógica, eu que não vou me arriscar aqui a dizer que a aposta em jogadores supostamente com o moral baixo é o melhor custo-benefício para se montar equipes competitivas. Mas nunca duvidei o que a fome de querer vingar injustiças pode produzir no futebol. Nessa, Rivaldo, que já deveria estar consagrado, é o melhor exemplo – mesmo que lhe falte o talento para rebolar feito o João Sorrisão.

Chico Teixeira

Alvorada Brasileira

(Chico Teixeira)


Amanheceu o dia,
e eu sinto no peito
O perfume da flor
Que em saudações primeiras
Vem saudar quem tem amor
Vem apagar tristezas
só lembrar do que foi bom
E caminhar no tempo,
deixando no peito
O sentido da flor
Pois amanhã será nós dois,
um romance
Sob a sombra das palavras
Depois que o dia clareou
muito tempo já passou
E amanheceu nós dois a luz
da alvorada brasileira
Vem apagar tristezas...

IRA!




7 de setembro de 2011

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